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Mostrando postagens de setembro, 2020

30/09/2020

164.  Vejo Mafalda saltando da página, chorando na despedida do criador, que a abraça sorrindo e diz em seu ouvido: no llorás, mi piba, vos sos Gardel, che! 

29/09/2020

163.  Tem sol, a pracinha tá vazia! A mãe não escuta, só fala do bicho papão que agora tem até nome. Na escolinha tem egoísta que não empresta lápis ou brinquedo. Mas ninguém quer ser dono da rua sozinho!  

28/09/2020

162.  Irriga o pequeno jardim, escutando notícias no rádio. Heranças do pai: o molhar o jardim, o escutar notícias e o próprio rádio. Chora ao ouvir sobre os manguezais e as restingas. Sabe que o pai também choraria. 

27/09/2020

161.  Levou ao ouvido a concha guardada do último verão, colocou o maiô, mergulhou na banheira. Do spotify emergia o marulhar. 

26/09/2020

160.  Leme: determina a direção da viagem, de forma responsável e exata. Frias: classifica as mulheres sem desejo sexual, em linguagem grotesca e machista. Cada um tem o sobrenome que merece. 

25/09/2020

159. N oite de estreia. Recorda o palco, os olhares, a energia da plateia. A noite em que tocou no giz como se baqueta fosse. Hoje lamenta ser do país, onde quem deveria orquestrar, despreza a melodia.

24/09/2020

158.  Desde março só abre uma das quatro portas do roupeiro. Teme abrir as outras e libertar  algum sonho esquecido.

23/09/2020

157.  N o nascer da primavera, enquanto a árvore florida estende seus galhos para alcançar o índio em um abraço; o homem branco, que nada sabe sobre árvore, índio e abraço, cospe mentira sobre os três.

22/09/2020

156.  Combinou com a vó chamada de vídeo para olharem juntos o céu bem de cima. Ela na sacada, ele no alto da árvore. A vista era bonita, mas faltava o bolo de chocolate.

21/09/2020

155. P arecia muito mais grave do que havia escutado da última vez. Faltou luz. Celulares descarregados. O filho chamou o pai para jogar cartas.

20/09/2020

154.  Enxerga lanceiros negros, segurando firme a bandeira, que não tremula, não baila, paralisa com vergonha da falsa festa rio-grandense.

19/09/2020

153.  Diante do salário parcelado, do trabalho extenuante, pensa em abandonar. Mas lembra: "Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo". E renasce das cinzas.

18/09/2020

152.  Animais ardem e o fogo não é capaz de queimar a consciência do negligente. 

17/09/2020

151.  Quando começou a chover abriu o microfone: "Profe, cuida para não molhar tua casa com a chuva". E com o dedo bem esticado: "olha, ali ó, tem que cuidar!"

16/09/2020

150. Terminou a aula. Ele esqueceu a câmera ligada sem querer. Ela não desligou e ficou espiando. Sempre gostou do Lucas, mas nunca pensou que ele fosse assim tão esperto. Já sabia até cortar as unhas dos pés!  

15/09/2020

149. Era setembro quando se encontraram para comemorar os aniversários do mês, com um abraço e um café no Brasilero.  Liam "As veias abertas da América Latina", pensando que um dia elas iriam fechar. 

14/09/2020

148. Tudo ia bem entre eles. Até que um deixou de ir e o outro passou a vir. 

13/9/2020

147. A cada nova despedida, enxerga o bebê precoce para o caminhar e para o soltar sua mão. Ela, que desconhecia o andar só, gerou um livre peregrino solitário. 

12/9/2020

146. A professora pediu para ligarem as câmeras. Abriu um sorriso ao ver a Carol. Fez um print. Passou o dia encantado. Noite de plenilúnio. Olhou pro céu e pra tela. No olhar da paixão infantil, a Carol era parecida, branca e redonda, mas muito mais bela que a Lua.

11/9/2020

145. A menina calçou as sapatilhas e deu corda na caixinha de música. Diante do espelho do quarto, colocou a saudade para dançar.

10/9/2020

144. No asilo, a cadeira balança o abandono, enquanto o vento assovia a esperança.

9/9/2020

143. No dia em que juntou as letras e pronunciou em voz alta a primeira palavra, o neto tinha esquecido um trabalho na mesa da sala. Repetiu tão alto universidade que acordou o orgulho do filho adormecido. 

8/9/2020

142. Na infância aprendeu a contar até três para se controlar. Quando ele quis fazer a festa nela sem convite, lembrou. Quando a polícia chegou, encontrou o cadáver com três balas no peito.

7/9/2020

141. Um sete de setembro distante, desfilou por nação imaginária. Quando soube da ilusão, quis um país real. Brasileiro bom não desiste, é munido de utopia e de resiliência, não de armamento ou de ódio como cidadão de bem. Hoje não viu desfile virtual. Bateu panelas. 

6/9/2020

140. Atribuiu a pimenta no molho, a agressividade picante. Queria doçura, passou a usar canela. Não resolveu. Começou a usar chá de camomila, enquanto o Acônito crescia no jardim.

5/9/2020

139. Poderiam ser origamis. Pássaros a alçar vôo, flores a exalar perfume. Porém, sobre a mesa, papéis seguem chegando e sendo empilhados. Exalam o fedor da corrupção. E o dono da mesa só sente o cheiro do dinheiro recebido para enjaular papéis.

4/9/2020

138. A saudade é um arco íris que transformo em tapete. Invento um longo e colorido caminho. Beijo minha mão e assopro forte que alcance o rosto, do sempre presente, apesar de distante, meu amor primeiro. 

3/9/2020

137. Campainha. Saudação distante e desculpa pelo barulho da mudança. "Tudo bem, sem problemas". Inscrita em dois cursos, desenho e dança, cada dia o vizinho ganha um novo rosto para dançar com ela, colado no cabo da vassoura. 

2/09/2020

136. A mãe sempre sonhou com o filho modelo. Passou o tempo e ela morreu, igual a muitos no reino devastado. O sucesso demorou tanto, que o encontrou igual ao reino. E assim está ele agora, curvado e triste, a estampar a nota de duzentos reais.

1/09/2020

135. Fecha a janela, despede-se do vento de agosto que não trouxe vacina, nem ministro da saúde. Esfrega as mãos lambuzadas de álcool gel, enquanto espera a visita daquela que chegará com o sol. No único vaso da casa, germina uma primeira flor.