Minis de Quarentena

72. O vento que carregou a vergonha, não foi capaz de trazer a decência.

71. O emergencial, que é enfeite nas mãos madames, seria alimento às mãos esquálidas. 

70. Um dia cinza, um entrou pela porta do apartamento do outro para nunca mais sair. Trouxe tintas para colorir as paredes e preencher a vida de amor arco-íris. 

69. As lágrimas do vinho escorrem na taça. A foto comercial de margarida derrete na estante. Os óculos repousam no livro. A poça carmin vive no tapete.

68. A Ética, cansada do airbnb, procura residências permanentes em país tupiniquim. 

67.        Aí bota aqui, ai bota ali o seu pezinho , desengonçados no ritmo da beleza de todo amor platônico. O sabor do quentão nunca mais encontrado, nem do bigode desenhado de um caipira todo seu. 

66.       O balanço vazio embala o vento menino.

 65 .    No quintal, o cão late alto à sombra da árvore seca; no quarto, o vizinho reza baixo à luz da lâmpada fria. Na rua há chuva; no rosto, febre.

64.       Embora tenha ouvido desde menino "quem planta, colhe", só velho entendeu, ao ver seu abandonado fruto apodrecido. Era tarde para de amor irrigar a terra.

63.      Sonhava com a leveza da liberdade para aquele que carregava no seu ventre em momento prisioneiro.

      62.     O diploma da menina é luneta para estrelas escondidas em um novo céu possível.       

61.   Despertava com o aroma da xícara fumegante e um toque delicado em sua boca. Quando ela partiu, ele seguiu tomando café ao acordar, só começou a usar açúcar para tirar o amargo da ausência do beijo dela.

60.       O Cristo, com os braços abertos, parece tocar o azul do céu e do mar, abençoando o dia em que o helicóptero voa, deixando um aroma de laranja no Rio sempre lindo.        

59.       Ignorava o uso da vírgula, mas sabia a hora exata de pausar e de prosseguir no sexo.

58.      Após os excessivos dois pontos em resposta aos muitos pontos de interrogação, já estavam preparados para o ponto final, quando surgiram as reticências.

57.     O  espaço sagrado onde pulsa vida, lateja medo, chama oração, é invadido pelo intitulado cristão que de amor nada entende.

56.     Presa ao livro, de mãos dadas com os personagens percorre outro lugar, vive outro tempo. A ficção milagrosa afaga a vida.

55.    Na quarta, acompanhou estatísticas, duvidando da morte alheia; na quinta, chutou cruzes das sepulturas; no sábado, postou fotos no churrasco com os amigos. No domingo, vestirá a camiseta do Brasil e de noite, irá ao culto.  

          54.     Nunca viu um trevo de quatro folhas, mas descobriu o amor aos dezesseis.

53.     Pela astrologia jamais seriam amigos, pela família jamais teriam namorado. O amor desobediente,  nascido do impossível, resiste dentro da felicidade do desassossego.

52.     Ele é garoa, ela é tempestade, do entrelaçar dos corpos a beleza harmônica do manancial.

51.       Equilibrava a vida na cadeira de balanço entre o chá e o livro, quando a falta de ar interrompeu a harmonia da madrugada.

50.      As bolinhas de sabão cruzaram sua janela, acenando para a menina dentro dela adormecida. O sol aproximou-se para reluzir a memória da infância.

49.       Enquanto a tirania marcha, a multidão caminha. Quando entra em cena o gás lacrimogêneo, a Lua resolve invadir o espetáculo. Desejaria ela entrar em cena e iluminar mentes...

48.       Há ancestrais que caminham na frente a guiar os passos dos seus, há ancestrais que seguem ao final para encorajar frágeis, há ancestrais que ficam nas laterais para amparar quedas. Formam uma multidão a caminhar de mãos dadas, entrelaçada de coragem. 

47.     Acordou com um abraço virtual que acarinhou sua manhã, iluminou sua tarde, enfeitiçou sua noite, embalou sua madrugada de sonhos.

46.    Máscara e óculos louvados ao ocultarem a lágrima na sala de espera do hospital.

45.       Demorou a entender que o encantamento do arco-íris está no abraço dos diferentes tons. Chorou ao ver o desprezo ao sublime e igual valor de todas as peles.

44.         Na foto encontra o teatro vazio, fecha os olhos para escutar os aplausos de outros invernos. Ergue o corpo do sofá para a reverência, abraçando a página do jornal.

      43.     Da janela escorrem gotas. A paisagem da madrugada ganha vida nas lágrimas da menina na tela do artista.